Nesse espaço teremos as crônicas, opiniões, sugestões e/ou textos literários de outros profissionais parceiros do Ohùn Dudu. Nós acreditamos que ao sabermos o que o OUTRO pensa, nos tornamos seres mais sensíveis, inteligentes e cultos, afinal, sempre temos algo mais a aprender com alguém. Então, sejam bem-vindos!
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A AUSÊNCIA DE UNIÃO ENTRE OS POVOS DE AXÉ.
Percebo que hoje em dia, muitos dos militantes das religiões de matrizes africanas reclamam a ausência de união entre os povos de Axé, ou seja, as casas de Candomblé e Umbanda. Reclamam da vaidade, do orgulho, da cobiça, inveja, ignorância, falta de cultura, desrespeito às tradições, e por aí vai... Será que “DESUNIÃO” é um fator novo em nosso grupo?
Em um rico e belo texto que li há pouco tempo, encontrei passagens que me fizeram refletir e por isso me senti a vontade para escrever.
Proponho analisarmos algumas questões e, para começar, falaremos da origem da palavra “candomblé”.
“A palavra Candomblé possui 2 (dois) significados entre os pesquisadores: Candomblé seria uma modificação fonética de "Candonbé", um tipo de atabaque usado pelos negros de Angola; ou, ainda, viria de "Candonbidé", que quer dizer "ato de louvar, pedir por alguém ou por alguma coisa", em Bantú.
Como forma complementar de culto, a palavra Candomblé passou a definir a reunião litúrgica de cada tribo ou região africana no Brasil. Exemplo:
Candomblé da Nação Ketu
Candomblé da Nação Jeje
Candomblé da Nação Angola
Candomblé da Nação Congo
Candomblé da Nação Muxicongo
Candomblé da Nação Efan...”
Vamos esclarecer alguns pontos: É sabido que na própria África havia uma política Teocrata, onde, em nome de suas divindades, subjulgava-se, matava-se, escravizava-se e criava-se justificativas através da religião para se deter o poder. Esse fato fazia parte do formato adotado pelas relações sociopolíticas dos povos africanos e dessa maneira se vivia, “muito bem, obrigado”, até que chegaram os Europeus e perceberam que poderiam tirar proveito de tal situação. Começa aí a escravização dos povos africanos fora da África. Sim, pois em solo negro, entre muitas tribos, quando havia uma disputa, fosse por território ou qualquer outro motivo, aquele que perdesse a contenda era subjulgado ao vencedor, porém com certa dignidade, onde respeitavam-se as características sociais e religiosas dos derrotados, diferentemente da escravização em “terra brasilis”. Observado isso pelos portugueses, um filão comercial foi percebido. Pensavam eles: 'Faço um trato com as tribos mais fortes, as que mais conquistam disputas, e levo seus escravos para a Europa e também, mais tarde, para o Novo Mundo.'
E assim foi. Povos mais frágeis, menos aguerridos e mais servis vieram parar aqui no Brasil, e, mais tarde, aqueles que escravizavam seus vizinhos mais vulneráveis também aportaram como escravos nas Américas. Esse grupo que chegou depois, por ser mais forte, acaba por sofrer mais atrocidades que o primeiro, por ser menos submisso e mais orgulhoso. Sentia-se traído pelos “brancos”.
Nesse ponto perceberam que todos os negros estavam, em parte, na mesma condição de escravo. Eram todos iguais aos olhos dos que aqui viviam e detiam o poder, todos vulneráveis àquela situação, independentemente de sua realidade e condição social, política ou econômica na Pátria Mãe. Cabe ressaltar que quando essa conscientização se deu, já havia em solo brasileiro, alguns africanos vindos da Europa, alforriados e ricos, até com título de nobreza. Ressalto esse fato porque esses negros não queriam ser comparados aos escravos. Sentiam-se superiores por suas posições, títulos e prestígio conquistados e também por facilitarem o tráfico negreiro. Eles, muitas vezes, possuíam como seus cativos, os próprios irmãos de origem. Nessa elite negra, muitos tiveram destaque por suas habilidades com a terra, cultivo, ... e se tornaram respeitados, por isso não queriam retroagir em sua escalada social. Deixavam claras as diferenças entre os negros em ascensão e os negros reles escravos. Ilusão a deles, pois a classe dominante branca, só os usava de acordo com suas necessidades, mas continuavam a enxerga-los dissimuladamente, como simples negros.
Visto todos esses fatores, muito se perdia a cada dia da origem e da dignidade dos povos vindos da África.
Em torno do início do século XIX, alguns negros reuniam-se para estabelecer um formato sociocultural que preservasse as tradições africanas aqui no Brasil, segundo estudiosos, mais especificamente na cidade de São Salvador – Estado da Bahia. O motivo principal desta reunião era estabelecer um culto africanista no Brasil a fim de preservar o "culto a orixá", já que os negros que aqui chegavam eram batizados na Igreja Católica e obrigados a praticarem o cristianismo. Essa seria uma forma de manter acesa a chama da cultura original africana.
Porém, como praticar um culto de origem tribal, numa terra distante?
Fizeram uma fusão de várias mitologias, dogmas e liturgias africanas e adaptaram as condições da época. Adaptaram comidas sagradas, adaptaram liturgia, adaptaram roupas, cores, proibições,.... Este culto, no Brasil, teria que ser similar ao culto praticado na África. Digo SIMILAR onde o principal quesito para se ingressar em seus mistérios seria a iniciação. Enquanto na África esse rito é feito, muitas vezes, em plena floresta, na praça da tribo, ou em lugares públicos, no Brasil foi estabelecida uma mini-África, ou seja, a casa de culto possui todos os deuses africanos juntos, fossem Orixás, Voduns, Nkisis,... E assim, foi institucionalizado o CANDOMBLÉ, com todas as suas particularidades, peculiaridades e nuances, uma religião brasileira. “Com o passar do tempo a palavra “Candomblé” foi aceita e passou a definir um conjunto de cultos vindos de diversas regiões africanas.” Isso só acontece aqui em nosso país, ao contrário da Origem, onde cada divindade está ligado a uma localidade, cidade, estado ou região; por exemplo, Xangô em Oyó, Oxum em Ijexá e Ijebu e assim por diante.
Com o passar do tempo alguns negros foram conquistando destaque por seus conhecimentos nos mistérios do oculto e por prestarem favores, nesse âmbito, para personalidades brancas e por isso eram favorecidos. Para que se conservasse o conquistado e de forma individual, os mistérios foram estabelecidos! O “eu sei mais que o outro”, “meu axé tem mais fundamentos”, “fulano não foi iniciado adequadamente”, etc, vem de uma questão simples: a autopreservação. Sim! Como vimos anteriormente, houve muita luta para se conquistar um pequeno espaço na sociedade brasileira, e que foi obtido através dos “favores” concedidos aos da classe dominante por meio do pseudoconhecimento do culto ao sobrenatural. Então, para se preservar e não perder espaço na sociedade branca abastada, um negro vilipendiava o outro na esperança de se manter no poder. E é assim até hoje. Por isso somos uma classe desunida e frágil, sujeita à intervenção de quem quer que seja. Somos fracos! Pensamos sempre em benefício próprio ou de nossa casta. Se queremos nos manter como uma religião que, de fato, é voltada ao bem comum, forte, não submissa e sem preconceitos, devemos nos unir independentemente de “nação”, pseudotradições, pseudomistérios, pseudoproibições. Devemos nos unir a favor na nossa preservação, respeitar nossas diferenças e parar de apontar o dedo na direção daqueles que queremos inferiorizar. Como dito anteriormente nesse texto, isso é uma coisa cultural e arraigada a uma história, porém os tempos são outros. O mundo mudou e nossa cultura estagnou sobre muitos aspectos.
Sugiro que frequentemos o axé do nosso irmão, que colaboremos uns com os outros, como foi no início de tudo.
Aí sim, teremos força através da hegemonia, no apoio mútuo.
Antes de qualquer crítica reflita sobre. Precisamos abrir nossas mentes e casas para os que não nos conhecem poder conhecer. Enquanto ficarmos presos a preceitos sem lógica, estaremos fadados à extinção.
Fabio Seabra.
Fabio Seabra.
Bacharel em Publicidade pela FACHA, e em Administração de Empresas pela UNESA;
.Pós-graduado em Marketing pela UNESA, e em
Gestão de Pessoas pela UFF.
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Postado em 06/04/2017
O Sincretismo e seus Ônus e Bônus
Conceição Gomes
Fui passear pelo meu bairro
favorito da cidade do Rio de Janeiro, Santa Teresa. Ao chegar ao paradisíaco
Parque das Ruínas, ventava... ventava... e foi aumentando, quase virando um
vendaval, eu imediatamente disse: Èpà Heyi Oyà! E aproveitei tudo o
que Oyà tinha pra me dar naquele momento. Paz, força e abraço. Calma, não tinha
ninguém ‘virado’ na Iansã dando consulta.
O vento me envolveu como um
abraço, aquele abraço de mãe que parece que quer te colocar de volta no ventre.
Obrigada yabà mi! Depois desse
gostoso abraço e panorâmico passeio, decidi escrever esse texto para o Ohùn Dudu.
Dia 08 de Dezembro, dia de
Nossa Senhora Imaculada da Conceição, no sincretismo religioso é Oxum (Osun) para os adeptos do Candomblé e, Iemanjá
(Yemonja) para os adeptos da
Umbanda. No dia 04 foi a comemoração de Santa Bárbara que no sincretismo é Iansã
(Oyà).
Sincretismo significa a
fusão de diferentes doutrinas para a formação de uma nova, seja de caráter
filosófico, cultural ou religioso. O processo de sincretização é resultado da
relação intrínseca de comunicação entre grupos sociais heterogêneos. Essas
adaptações de relacionamentos distintos culminam na absorção de crenças do
outro. O sincretismo religioso é a mistura de uma ou mais crenças religiosas em
uma única doutrina.
Pegando carona no texto de
um amigo, e que foi postado aqui. Tem crescido absurdamente o conceito em
algumas casas de Candomblé, chamado de Candomblé Puro, ou Mais Puro. Esse
movimento ‘fundamentalista’ é baseado no culto aos Orixás utilizando somente
elementos africanos, ou o mais próximo disto. Numa velocidade perigosíssima o alter ego de adeptos do candomblé, está
distanciando ainda mais os irmãos de axé, onde a nação da casa é mais
importante que a doutrina da religião, que é promover o EQUILIBRIO. E esta
atitude radical, está intrinsicamente relacionada ao sincretismo com o
catolicismo e imputa a culpa majoritária a Umbanda.
Alguns líderes do Candomblé,
já há algum tempo, veem rechaçando o sincretismo católico no Candomblé. Alegam
que o uso do sincretismo foi necessário e usado como recurso de defesa e de continuidade
da casa de santo, contra a polícia e o preconceito social há muitos anos. Que
agora, nestes tempos, não faz sentido alimentar essa ideia. Acreditam que a
religião está livre de perseguições e reprimendas. (Tomara!!!)
A discussão sobre conceitos
religiosos em que Umbanda nada tem a ver com o Candomblé, e vice-versa, vem de
longa data. Em alguns casos, os textos sobre o assunto beiram a animosidade e
preconceito. Mesmo não concordando completamente, aliás, em alguns pontos
discordando bastante, por não acreditar numa verdade única quando se trata de
religião, achei o texto (quase uma dissertação acadêmica, é bem longa, tem que
ter tempo para ler, mas vale MUITO a pena lê-lo) de Marcos Arino[1], postado no blog Ilê Axé
Nagô Kóbi em 2010, de extrema importância tanto para esclarecer algumas
questões e afirmar conhecimentos, como para colocar em pauta discussões
necessárias entre o povo de axé.
Mas, seguindo a minha
opinião e observação, acredito realmente que toda manifestação natural de
‘mistura’ – ‘hibridismo’ - ‘mestiçagem’ – ‘miscigenação’, pode e deve render
bons frutos, sou uma otimista de plantão e creio na união de ideologias e
conceitos para um bem comum. Esta afirmação não significa que desconheço ou
ignoro os dogmas e doutrinas de cada religião, apenas que reconheço e respeito a
verdade do outro. Pra resumir e explicitar o meu pensamento, segue um trecho do
embasamento acadêmico para o texto do meu anteprojeto para o curso de mestrado
em Relações Etnicorraciais.
“...O híbrido tem por
finalidade nomear algo ou alguém cuja formação é mista, derivada de fontes
heterogêneas... O híbrido constitui a identidade do duplo, dinâmica, flexível e
plurivocal em contraposição à concepção hierárquica da identidade pura, única,
autêntica, univocal e uniforme que, além de infecunda, é anticomunitária...Revertendo
o movimento do centro para a periferia que caracterizou a era colonial e fez
das colônias ‘o local dos sincretismos e hibridismos’, os grandes ‘centros
globais’ são agora internacionalizados e hibridizados neste novo momento
histórico pós-(ou neo) colonial (COSER, 2005, p. 176)”. Trecho do texto “O
Entre-Lugar na Literatura Regionalista: Articulando Nuanças Culturais” Leoné
Astride Barzotto, págs. 23 e 24, 2010.
Como dizia o babalorixá,
Eduardo D’Oxum: Sejamos leves com os nossos pares!
[1]O
Sincretismo entre Umbanda e o Candomblé - http://iledeobokum.blogspot.com.br/2010/07/o-sincretismo-entre-umbanda-e-o.html
Conceição Gomes
Jornalista; Produtora Cultural
e Analista de Conteúdo. Formada pela Faculdades Integradas Hélio Alonso
(FACHA), atua também como Jornalista Colaboradora na Revista Online BM Global;
como colunista nos sites Pontal das Letras Editora; e diretora geral do blog E
aí?!
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